Ferrugem já foi o grande desafio da indústria automotiva brasileira. Entenda!

Talvez muitos proprietários e usuários de automóveis hoje não imaginem que, há 40 anos, a ferrugem em portas, paralamas e assoalho representava um dos maiores desafios de qualidade para os fabricantes brasileiros. Tão sério quanto os recalls atuais pelo mau funcionamento de airbags ou qualquer outro componente.

ferrugem automotiva
parte frontal de carro amarelo enferrujado (Foto: Freepik)

A ferrugem automotiva na linha de produção brasileira da década de 70

Quantos carros não eram literalmente “consumidos” e as oficinas precisavam reparar – quando possível – o problema? E não havia ainda a cultura de recall para isso.

O jornalista Luiz Carlos Secco, conta que no final da década de 70, os carros brasileiros foram atingidos por uma crise de ferrugem automotiva. O problema foi tão sério que os sistemas de tratamento existentes na época, já considerados de avançada tecnologia, não conseguiam evitar o surgimento de pontos de ferrugem nas carrocerias. As fábricas passaram a adotar o processo de pintura em “primer” (base), por imersão e sistema de eletroforese catódica.

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O processo provoca, por eletricidade, a adesão da tinta à chapa e resulta em efetiva proteção contra a ferrugem. O especialista ainda conta que com a adoção do sistema, na fábrica de São Bernardo do Campo, a Ford obteve um elevado nível de proteção para o Corcel, mas os modelos da linha Galaxie, LTD e Landau, produzidos na fábrica do Ipiranga, não contavam com a tecnologia.

Isso porque a estrutura da carroceria do Ford Galaxie não era afetada pela ferrugem, mas a parte inferior das portas após alguns anos de uso, mostravam uma linha horizontal formada por uma erupção da pintura motivada pela corrosão, explica Luiz Carlos.

Na fábrica de São Bernardo do Campo, a sequência de produção da Ford tinha como primeiro estágio, a área de estampagem. Nesse prédio as grandes e poderosas máquinas de prensa moldavam as peças metálicas que compõem o assoalho, as caixas de rodas, para-lamas, portas e os demais componentes da carroceria do automóvel.

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Processo de pintura automotiva (Foto: Freepik)

Separadamente, essas peças eram transferidas para a funilaria, um prédio à frente, onde ocorria a primeira união, denominada submontagem, por aplicação de soldas. Os conjuntos resultantes da submontagem eram unidos no formato final de carroceria em um gabarito, programado eletronicamente para levar cada peça – milimetricamente – em seu devido lugar e garantir um produto final com absoluta precisão. Na Ford, esse equipamento sofisticado era chamado de Pivot Pillar Buck.

 

O jornalista completa informando o restante o processo: “as etapas seguintes eram o tratamento da chapa e a pintura. Primeiro, a lavagem, o chamado “desengraxamento” e os banhos químicos de limpeza e proteção. Depois, o banho da pintura básica, o “primer”, feito por imersão, operação que garantia a forte adesão da tinta à chapa pelo sistema eletroforético catódico. Em seguida, vinha a pintura final, a aplicação do chamado esmalte definitivo e o verniz de proteção e realce ao brilho.”

Ao receber as soldas, as carrocerias eram transportadas por uma linha elevada (correntes transportadoras) em direção ao edifício de pintura. Era formado um conjunto, espécie de “kit” composto pela carroceria, portas e capôs.

A observação de Secco mudou tudo sobre ferrugem automotiva

Ao apreciar o movimento da corrente transportadora da linha, Luiz conta que notou um grande espaço entre os conjuntos e imaginou que as portas do Galaxie poderiam ocupar esse vão disponível e, juntamente com o Corcel, receber o protetor banho eletroforético catódico que as livraria da ferrugem. Mas, por falta de convicção e temor de sua sugestão ser considerada ridícula, deixou de transmitir a sugestão ao presidente da empresa, sr. Joseph O’Neil.

 

“Pensei nos fatos de que se fosse algo positivo, algum gerente ou um dos próprios diretores já deveria ter observado essa possibilidade. Também ponderei no custo e na logística para o estabelecimento de um plano que exigiria tempo, pessoal e transporte entre as fábricas do Ipiranga e de São Bernardo do Campo.” Enfatizou Luiz Carlos.

Ele ainda conta que o diretor de Manufatura da empresa, Mauro Borghetti, costumava chamá-lo à sala dele para umas conversas de fim de tarde. Era ele o responsável direto por todas as operações de produção da fábrica. Numa dessas oportunidades Secco tomou coragem e arriscou apresentar a sugestão. Ao ouvi-la, Borghetti não fez comentários. Pegou o telefone e ligou para o Cássio Barbosa, na época o gerente de manufatura da fábrica.

 

“Cássio, providencie uns ganchos e pense numa logística para o transporte de portas do Galaxie da fábrica do Ipiranga, porque vamos passá-las no sistema de pintura de São Bernardo”. Essa foi a ordem de Borghetti após ouvir a sugestão de Secco. Depois desse diálogo, o Mauro finalizou: “Sempre que tiver uma ideia dessas, venha falar comigo”.

Alguns dias depois do estabelecimento do sistema de pintura de portas do Galaxie, em São Bernardo do Campo, Luiz Carlos Secco retornou ao setor de pintura e, fingindo estar surpreso com o processo, perguntou ao amigo Cássio: “Estamos pintando as portas do Galaxie aqui em São Bernardo?” a resposta foi clara e evidente assim como a visualização de todo o processo.

 Acesse também o podcast da Secco: Ferrugem, este já foi um dos desafios de qualidade da indústria automotiva brasileira

O FPS foi introduzido como método de melhoria nas fábricas da Ford

Atualmente, é muito comum as fábricas incentivarem os funcionários de todas as áreas para que contribuam com ideias e sugestões de melhorias. Anualmente, as fábricas reúnem os empregados para comemorar os aperfeiçoamentos introduzidos nos diversos setores com a entrega de prêmios para os autores das sugestões inovadoras.

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Fábrica da Ford (Foto: Ford)

A Ford, por intermédio desse programa, denominado FPS (Ford Production System) recebeu uma série de melhorias para o conforto e a segurança dos funcionários, além de maior produtividade e melhor nível de qualidade dos produtos. O FPS determinava uma reunião semanal de cada seção, com a duração de uma hora, com gerentes supervisores e funcionários, para a troca sugestões.

Por conta desse programa, a linha de montagem dos caminhões recebeu uma série de aperfeiçoamentos. Um deles foi no setor de aplicação do para-brisa, com a montagem de um estrado para melhor postura do operador e a instalação de um elevador para o reservatório de cola.

Com essas melhorias, os funcionários puderam descobrir também um ponto de infiltração de água em uma das bordas da cabine, motivo de reclamações de clientes e que as inspeções de qualidade não conseguiam identificar.

Nicole Santana
Nicole SantanaJornalista e especialista em comunicação empresarial, com bagagem de mais de três anos atuando ativamente no setor automotivo e premiada em 2016 por melhor reportagem jornalística através do concurso da Auto Informe. Atualmente dedica-se à redação do portal Garagem 360, produzindo notícias, testes e conteúdo multimídia sobre o universo automobilístico.
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