Artigo: Carro autônomo no Brasil é tendência ou utopia?

Por Rogério Borili*

Com a evolução da tecnologia, principalmente da inteligência artificial, torna-se cada vez mais comum o debate e a expectativa sobre a criação de novidades neste segmento, como o carro totalmente autônomo. Quem pensa que esta inovação depende apenas da boa vontade da indústria automobilística e da integração das novas tecnologias está profundamente enganado. Existem tantas variáveis e necessidades para que a revolução dos automóveis seja colocada em prática no Brasil, que ela soa praticamente utópica nos dias de hoje.

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Existem seis níveis de automação padronizados pela indústria automobilística e eles vão da classificação 0 a 5, sendo que a menor não possui nenhum tipo de automação – a maioria dos comercializados no mercado. As classificações 1 e 2 já possuem alguns sistemas auxiliadores, como aceleração, freio, motores e direção (como os tradicionais controladores de velocidade já muito utilizados atualmente). A partir da 3, os veículos passam, de fato, a ter um tipo de autonomia, podendo se movimentar por conta própria, mas ainda necessitando de intervenção humana, até chegar na classificação 5, na qual o carro é 100% autônomo.

Vamos aos fatos: o carro autônomo se baseia em uma série de equipamentos, inclusive redundantes, tais como: câmeras de calor e de imagem, radares, ondas sonoras, raio-x, laser e tantas outras diferentes tecnologias para fazer a leitura do ambiente. Por isso, é necessário que o banco de dados tenha grande capacidade de armazenamento e alta velocidade para garantir disponibilidade e segurança, uma vez que a atualização dos dados precisa ser em tempo real. Além disso, estes sistemas precisam ter um alto nível de segurança para evitar invasões e vazamentos que, nestes casos, poderiam causar acidentes. Ataques hackers, por exemplo, poderiam trazer problemas bem graves.

Até este ponto ainda estamos falando da tecnologia que envolve a criação do carro autônomo, mas existem outras que são tão ou mais importantes para que ele funcione da maneira adequada. Uma delas é a capacidade de comunicação considerando grandes volumes de dados.

O uso do 5G permitirá um avanço significativo: mais dados disponíveis para o processamento local, já que o feito em nuvem não é adequado devido à necessidade de decisões e respostas imediatas (definir se o obstáculo à frente é apenas fumaça ou um carro parado, por exemplo) e, consequentemente, mais velocidade na troca de informações e baixa latência. Entretanto, o carro autônomo não poderá confiar unicamente em uma rede comercial qualquer. Redes privadas de comunicação com links dedicados e garantia de disponibilidade serão necessárias.

Um exemplo disso é a Netflix que utiliza hubs regionais com nuvem privada e descentralizada com réplicas de conteúdo em diversos locais para que os dados sejam transmitidos com fluidez e a capacidade e disponibilidade de processamento adequados. E é aí que as maiores dificuldades para implementação do carro autônomo começam: embora a Anatel já tenha definido as primeiras frequências para a instalação do 5G e diversas operadoras já iniciaram a fase de testes, a tecnologia só deve estar disponível comercialmente no país daqui alguns anos. Além disso, ainda não sabemos o nível de velocidade e de capacidade de transmissão de dados que será disponibilizado por aqui. É ver para crer.

Outro ponto que torna o carro 100% autônomo impraticável no Brasil, pelo menos nos próximos 20 anos, é a infraestrutura das vias. Desde faixas da pista mal pintadas ou sem sinalização, passando pela disponibilidade de infraestrutura para os elétricos até a conexão de informações do tráfego com o veículo. Por exemplo: se houver uma emergência e a via precisar ser interditada, o automóvel precisa receber esta informação em tempo real. Some isso à convivência de carros autônomos e veículos normalmente conduzidos – ou seja, mesclando tipos de raciocínio totalmente diferentes (robôs x humanos) e a necessidade rápida para tomada de decisões nas maiores vias do país e o caos será instaurado. Embora empresas diversas estejam empenhadas em desenvolver ferramentas para atender a todos esses mercados que envolvem a implementação do carro autônomo, este requer um ambiente formado por cidades inteligentes em um nível que ainda estamos bem longe de conquistar.

Há ainda um terceiro fator: as questões jurídicas. Com a nova Lei de Proteção de Dados, quem será o proprietário das imagens coletadas pelas câmeras instaladas nas vias e no próprio veículo? Como decidir o grau de culpabilidade em casos de acidentes? São algumas das muitas questões que ainda não temos respostas, mas que precisarão ser definidas antes de termos este nível de inovação nas ruas.

Além de tudo, a indústria deve contar com os apaixonados por automobilismo, que podem criar resistência ao carro autônomo por não “abrirem mão” do prazer de dirigir. Questões socioeconômicas também devem impactar na aderência ao carro autônomo, o que retarda a sua evolução, já que quanto maior o nível de automação, maior a necessidade deste interagir menos com humanos e mais com robôs. O nível 5 (100% autônomo) de automação, por exemplo, possivelmente exigirá trafegar em vias exclusivas, onde a tomada de decisão ocorre apenas em conjunto com outros veículos autônomos e com a própria via.

São por essas e outras questões que o carro autônomo ainda está longe de se tornar realidade no Brasil. Em um país em que as condições de tráfego para veículos tradicionais já não são adequadas, trazer este grau de inovação para as ruas requer muito investimento público e privado, consciência, adequação de leis e tecnologias em diversos setores da indústria. Toda inovação faz brilhar os olhos e sonhar com o futuro, mas é preciso enxergar o presente e adequá-lo para fazer jus às possibilidades que a ciência pode proporcionar.

*Rogério Borili é vice-presidente de Tecnologia da Becomex, empresa de consultoria e tecnologia especializada nas áreas tributária, fiscal e aduaneira.

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