Especial Fabricantes Nacionais: a história dos carros DKW-Vemag

Em 1945, surgiu o embrião de uma das primeiras empresas automotivas do Brasil. A Distribuidora de Automóveis Studebaker Ltda era uma importadora e, como o próprio nome deixa bem claro, distribuidora de automóveis Studebacker no País. No começo da década seguinte, ela se tornou a Veículos e Máquinas Agrícolas S.A (ficando conhecida como Vemag) e passou a montar caminhões da Scania Vabis e tratores da Massey-Harris e Ferguson.

A partir da segunda metade dos anos 1950, a história da Vemag migrou das produções de veículos agrícolas para a de automóveis. Presidente do Brasil à época, Juscelino Kubitschek criou em seu governo o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia) para incentivar a criação da produção nacional de automóveis. Os incentivos acabaram despertando a atenção da empresa brasileira, que viu ali mais uma possibilidade de negócios.

A Vemag fazia parte do Grupo Novo Mundo, que incluía banco, loteamentos e vários negócios. Com o plano de JK, eles viram uma boa oportunidade para investir na indústria automobilística no Brasil. Havia, na época, uma saída de capital muito alta, já que todos os carros vendidos aqui eram importados. Existia uma certa urgência em se criar uma indústria local”, explica o jornalista Flavio Gomes, especialista em automobilismo e um dos maiores colecionadores de DKWs do País, com 11 veículos.

DKW- Vemag: Pioneirismo

Amantes da DKW-Vemag e da Romi disputam até hoje o título de primeira fabricante nacional. Na primeira edição do especial, o Garagem360 relata que a Romi era a pioneira, se baseando nos documentos e relatos. Gomes esclarece quais eram os critérios do Geia na época, nos quais somente a Vemag se enquadrava.

“Segundo o Governo, para ser considerado automóvel, era preciso ter ao menos duas portas, capacidade para levar quatro pessoas e espaço para as bagagens. A Romi não atendia nenhum desses requisitos, não recebendo os incentivos fiscais. Tanto que foi a Vemag que recebeu o primeiro título de fabricante nacional. Então, se considerar o Romi-Isetta um veículo, e é evidente que considero, ele começou a ser fabricado antes. Agora, do ponto de vista legal, a DKW foi a pioneira”, argumenta.

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Especial fabricantes nacionais: FNM, a empresa que uniu o Brasil e a Itália

Determinada a ser uma fabricante nacional, a representantes da Vemag foram até a Europa para analisar alguns projetos. Na Alemanha, os executivos da empresa conheceram os carros da DKW, que fazia parte da Auto Union. Esta, era o resultado de uma fusão, realizada em 1932, entre a própria DKW e mais três fabricantes: Audi, Horch e Wanderer.

“Naquela época, já existia um plano na Europa em se acabar com os motores de dois tempos. Ele tinha uma mecânica simples, de manutenção barata, com apenas sete peças móveis. Isso era importante, pois não existia mão de obra no Brasil, não havia reparadores. Depois de avaliar as possibilidades, a Vemag se interessou e a DKW vendeu o maquinário”, conta Gomes.

Com isso, a empresa nacional recebeu o direito de licenciamento da marca alemã por 10 anos no Brasil. No dia 19 de novembro de 1956, saíam da linha de produção as primeiras unidades da DKW-Vemag Universal, também conhecida como caminhoneta, derivada da perua F91 germânica. “Os modelos eram praticamente carros alemães montados no Brasil, já que pouquíssimas peças eram realmente produzidas aqui”, afirma o jornalista.

DKW-Vemag Universal 1956; exemplar do Flavio Gomes é uma das primeiras fabricadas |Foto: Acervo Pessoal/Flavio Gomes
DKW-Vemag Universal 1956; exemplar do Flavio Gomes é uma das primeiras fabricadas |Foto: Acervo Pessoal/Flavio Gomes

Miss Universe

Uma semana após o início da fabricação, em 26 de novembro de 1956, saiu da linha de montagem do bairro paulistano do Ipiranga um dos carros nacionais mais antigos que ainda rodam no País – e que está com Gomes há cerca de seis anos. A DKW Universal recebeu o simpático nome de ‘Miss Universe’, e voltou à vida em 2013, após uma profunda restauração, detalhada por Flavio neste texto, em seu blog.

Naquele ano, foram montadas 173 peruas e somente essas, produzidas em 1956, possuem a tampa traseira dupla e que abre na vertical. No ano seguinte, a Vemag já mexeu no visual, colocando a porta única com abertura horizontal”, relata Gomes.

Somente em 1958 outros veículos começaram a ser fabricados pela empresa: o Jipe e o Grande DKW-Vemag. O primeiro era derivado do Munga germânico e, posteriormente, foi rebatizado como Candango. O segundo era um sedã de quatro portas, que depois ganharia o nome Belcar em 1962. Nesse mesmo ano, a perua foi rebatizada para Vemaguet.

O Jipe teve vida curta no mercado brasileiro, saindo de linha em 1961. Já o Grande DKW-Vemag é um dos modelos icônicos da empresa no Brasil, já que conquistou famílias e taxistas por ser um carro grande e espaçoso. Ele podia levar sem dificuldades até seis pessoas e tinha quatro portas (uma novidade para a época).

Fissore

No ano de nascimento de Flavio Gomes, em 1964, uma mudança visual extinguiu uma das características dos DKWs: as portas suicidas, que abriam em sentido contrário ao dos carros em geral. Foi justamente uma abertura convencional que foi aplicada ao Belcar e a Vemaguet. Nesse mesmo ano, um projeto sem relação com a DKW alemã passou a ser produzido no Brasil. O belo sedã de duas portas Fissore era fruto de uma parceria da Vemag com a empresa italiana Carrozzeria Fissore, que justifica o nome do modelo.

Se nas linhas ele empolgava, o desempenho era uma decepção. “A ideia original era utilizar um motor V6 dois tempos que estava sendo desenvolvido na Alemanha, mas que nunca chegou a ser utilizado pela Auto Union”, explica Gomes. “A Vemag chegou a conversar com a Citröen e a Fiat, mas acabou utilizando o motor de três cilindros dois tempos. Era um carro grande, de luxo, mas com um desempenho sofrível por conta do motor de 980 cm³.”

Um dos modelos mais raros da empresa no Brasil, o Fissore também faz parte da coleção de Gomes. “O meu é um 1967, que era de uma pessoa de Chapecó (SC). Comprei-o por fotos, que nem eram digitais. O rapaz enviou as imagens em um álbum, gostei e fiquei com o carro”, conta o jornalista.

Venda para a Volkswagen

Em 1965, a Volkswagen comprou a Auto Union na Alemanha e decidiu manter somente a marca Audi, alegando que não produziria mais motores dois tempos. Isso representou uma indecisão sobre o futuro da Vemag no Brasil, já que não havia a certeza de que a empresa conseguiria a licença dos veículos Audi.

A Veículos e Máquinas Agrícolas S.A até negociou com outras fabricantes, mas nada foi para frente. Assim como aconteceu na Europa, a Volkswagen comprou o espólio da Vemag e encerrou a produção em outubro de 1967. No total, foram produzidos 109.343 automóveis, sendo 55.692 peruas, 51.162 sedãs e 2.489 Fissores, além dos 7.848 jipes Cadango.

“Na verdade, os donos da Vemag não ligavam muito para carro. Era só mais um dos negócios deles. Não havia um apreço especial. Quando a VW fez uma oferta de compra, eles estavam negociando a possibilidade de montar outros modelos aqui, mas acabaram vendendo. Há o boato que a Vemag não estava muito bem financeiramente, então a venda acabou sendo concretizada”, afirma Gomes.

Apaixonado por DKWs desde a infância, Flavio se encontrou com um dos fundadores da Vemag no Brasil, o Doutor Lélio de Toledo Piza, na casa do ex-presidente da empresa, para um jantar.

“Há uns 15 anos, alguém me encontrou porque queriam escrever uma biografia da família dele. Me convidaram para ir à sua casa e eu fui de DKW. Ele tinha uns 80 anos e era lúcido. Na conversa, percebi que o ex-presidente da Vemag não ficou especialmente comovido por ver pessoalmente um carro fabricado pela sua companhia 40 anos antes. Não foi algo que o deixou muito emocionado. Eles realmente tratavam a Vemag como mais um dos negócios do grupo. É por isso que não teve sequência”, relembra.

Para Gomes, essa falta de entusiasmo pelos carros condenou a continuação da Vemag, desperdiçando assim mais uma oportunidade de ter uma fabricante 100 % brasileira nos dias atuais. “Se os donos fossem pessoas apaixonadas pela indústria automobilística, pioneiros como era o Gurgel, se tivessem essa perspectiva histórica do pioneirismo da indústria, talvez isso acontecesse.”

Confira na galeria especial alguns dos modelos fabricados pela DKW-Vemag e que fazem parte da coleção de Flavio Gomes.

 

Leo Alves
Leo AlvesJornalista formado na Universidade Metodista de São Paulo e participante do curso livre de Jornalismo Automotivo da Faculdade Cásper Líbero, sou apaixonado por carros desde que me conheço por gente. Já escrevi sobre tecnologia, turismo e futebol, mas o meu coração é impulsionado por motores e quatro rodas (embora goste muito de aviação também). Já estive na mesma sala que Lewis Hamilton, conversei com Rubens Barrichello e entrevistei Christian Fittipaldi.
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